quarta-feira, agosto 04, 2010

Selva de porcelana

A fêmea corre solta, movimenta de forma descompassada suas quatro patas, sente sua pelugem voar a ponto de quase se desligar do corpo, as pupilas dilatadas miram o caminho infinito que há a sua frente, o focinho gelado pelo ar puro e fresco fareja algo motivador para ir além enquanto a boca não é capaz de disfarçar o sorriso, e também, por que disfarçaria? A sensação de liberdade é real, viva, naquele momento ficam para trás sua matilha, seu bando, seus filhotes, seu companheiro, seus afazeres e obrigações, as expectativas da selva de porcelana em que vive.

É um novo caminho a ser traçado, sem regras ou policiamentos, é o caminho exclusivamente dela, com inúmeras possibilidades de trajetos. Sim, ela olha para trás algumas vezes, sente falta do que ali foi deixado, mas sabe que nunca se desvinculará por completo, ela só precisa daquele momento dela, onde coloca suas garras em solo jamais desbravado antes e sente uma paz inexplicável aos outros, uma sensação de poder e de querer que se encontrava abafada e reprimida, escondida por receio da reação da matilha.

Mas o seu interior é selvagem, e enquanto corre tem a nítida certeza de que nasceu para isso, para viver desafios, correr riscos, caçar, mostrar a todos sua vitalidade, e impor respeito perante os outros animais. Ao mesmo tempo é fiel, sensível, e volta a olhar para trás, pensa que logo terá que voltar porque não consegue manter-se afastada de seu bando, e nem deveria, afinal eles são parte fundamental da sua vida.

E assim, quando ela se sente saciada, é feita a meia volta e dá-se início ao retorno, correndo na mesma felicidade, talvez até mais por ter se sentido completa e realizada, tendo certeza que essa loba que volta aos braços de seus filhotes e seu parceiro será uma mãe e esposa muito mais feliz e dedicada, pois ela viveu plenamente o seu momento, e não só os deles. E ela foi se descobrindo aos poucos, e transformou essa corrida em uma rotina, a sua vida!

Sim, ela era uma loba, uma loba fêmea, de quatro patas, alma selvagem e coração de mãe, assim como todas nós, mulheres.

Beijos,

Fer (inspirada apenas pelo prefácio do livro: "Mulheres que correm com os lobos")