É a queda daquela rua que quase não passava carros, onde me sentia segura brincando até de madrugada, daquele corrimão da escada que parecia tão alto e levar bronca ao escorrega-lo valia a pena pela adrenalina que causava. A queda do relógio que eu ficava fitando os segundos até bater 15 horas para que minha mãe me liberasse para a piscina após o almoço, a fim de evitar uma congestão. A queda da esquina onde tomei trote ao entrar na faculdade, do quarto onde sonhei e sofri com meu primeiro amor, e depois com muitos outros...até hoje...da antiga sala de som que tinha almofadas retangulares, que empilhadas se transformavam em um túnel que divertia a mim e a meus sobrinhos mais velhos.
Sendo assim veio o apogeu do bairro, cheio de clínicas, restaurantes e estabelecimentos comerciais de alta qualidade...do movimento nas ruas, todas monitoradas pela irritante zona azul, e ensaiando um início de trânsito. Veio o apogeu da maturidade da família, onde cada um tem a sua casa própria, e meus pais enfim poderão cuidar da vida deles, sem ter filhos, parentes e agregados tomando conta daquela antiga "casa da mãe Iraí"...apesar que tenho a impressão de que, seja onde for, isso não acabará por completo jamais...
E o hino que tocava era dos meus passos que ecoavam em um silêncio ensurdecedor enquanto transitava por entre os cômodos daquele lugar que já teve tanta vida, tantos móveis, tantas vozes, tanto amor. As lágrimas escorriam na minha face, a sensação era de uma guerreira voltando ao seu forte e encontrando-o destruído, eu era Scarlett O'hara voltando à Tara após a guerra, o personagem de Tom Cruise em Vanilla Sky encarando Times Square vazia.
Mesmo que com 2 anos de idade, eu "construí" aquilo ali...e mesmo tendo saído com 16 anos, nunca deixou de ser meu quartel general, meu endereço que nunca mudou, meu porto seguro. Viajei pelos sete mares, mas sempre foi naquela esquina da Redentora onde preservei o meu maior tesouro, minhas melhores lembranças, minha gente, minha casa, meu lar. E neste último ano, em que voltei, pude me despedir melhor...curtir um pouco mais antes de encerrar esta era.
Minha vida particularmente teve outros tantos marcos, e mudanças, e casas...mas defini esta como uma era pela abrangência de influência que ela teve, não foi só a minha vida, e sim de toda a família, agregados, amigos, parentes, conhecidos...já ouvi diversas vezes na rua ao conhecer alguém: "nossa, já estive em uma festa na sua casa!"...ah, se aquelas paredes falassem...mas não soltam uma palavra sequer, e desde sexta-feira se encontram mais caladas do que nunca.
Aos prantos na terapia tudo ficou mais claro, esta sensação de perda é simbólica, sobre um tempo que não volta mais. A casa ainda é nossa, meus pais e minha avó estarão bem melhores na chácara, e eu no meu apartamento que está ficando uma graça, e as memórias para sempre estarão comigo. Foi uma era próspera, feliz, marcada por grandes momentos, altos e baixos, mas sempre regida por muito amor. E que venha a próxima...quem sabe será o início de uma era realmente construída por mim? De tijolo em tijolo é onde espero chegar...a um lar tão marcante como este.